A evolução das estruturas de captação de recursos financeiros: Crowdfunding, Mútuo Conversível e Debêntures Conversíveis

Diante da evolução das relações empresariais e com a “importação” do americano convertible note como mecanismo de captação de recursos, principalmente por empresas de tecnologia em estágio inicial (startups), passou-se a identificar a utilização de novas estruturas no cenário brasileiro e uma popularização de outras antes não tão utilizadas por esse tipo de sociedade, como o mútuo conversível e as debêntures conversíveis.

Além disso, percebeu-se o surgimento do equity crowdfunding, uma plataforma para captação de recursos, cuja relação jurídica é comumente formalizada por um dos referidos instrumentos. Todavia, tendo em vista as particularidades do sistema legal brasileiro, cabe tecer alguns comentários sobre o equity crowdfunding, o mútuo conversível e as debêntures conversíveis.

A plataforma de equity crowd funding é uma ferramenta independente utilizada por startups para captação de recursos de investidores com escalabilidade. Pode-se citar como exemplo as brasileiras Kria (antiga Broota) e EuSócio, bem como as pioneiras ASSOB (Australian Small WScale Offering Board) da Australia e Kickstarter dos Estados Unidos.

Apesar da praticidade da ferramenta, a plataforma apenas foi regulamentada no Brasil com o advento da Instrução CVM n.º 588 de 13 de Julho de 2017 (“Instrução CVM 588”), que apresenta uma exceção à regra de necessidade de registro de ofertas públicas de valores mobiliários prevista na Instrução CVM 400, além de exigir o registro dessas plataformas e estabelecer algumas normas e restrições. Isso porque as debêntures e contratos de investimento coletivo são considerados valores mobiliários de acordo com a definição estabelecida no artigo 2º da Lei n.º 6.385/76 de 07 de dezembro de 1976 (“Lei n.º 6.385/76”).

Sendo assim, para que haja a dispensa da obrigação de registro prevista na regra geral, os seguintes pré-requisitos devem ser observados:

  • a startup deve ser uma sociedade empresária de pequeno porte, com receita bruta anual de até R$ 10.000.000,00 (dez milhões de reais);
  • o valor alvo máximo de captação não pode ser superior a R$ 5.000.000,00 (cinco milhões de reais), e de prazo de captação não superior a 180 (cento e oitenta) dias, que devem ser definidos antes do início da oferta;
  • a plataforma eletrônica deve ser registrada na CVM e observar as regras previstas no artigo 5 da Instrução CVM 588;
  • deve ser garantido ao investidor um período de desistência de no mínimo 7 (sete) dias sem aplicação de qualquer penalidade;
  • os recursos captados não podem ser utilizados para: a) fusão, incorporação, incorporação de ações e aquisição de participação em outras sociedades; b) aquisição de títulos, conversíveis ou não, e valores mobiliários de emissão de outras sociedades; ou c) concessão de crédito a outras sociedades;
  • o investimento por pessoa física deve ser limitado a R$10.000,00 (dez mil reais) exceto se considerado investidor líder ou qualificado.

Importante destacar também as diversas vedações impostas pela CVM, previstas especialmente no artigo 28 da Instrução CVM 588 e que devem ser observadas pela plataforma como por exemplo: não realizar procura por investidores, não prometer rendimentos predeterminados aos investidores ou fazer recomendações quanto aos investimentos.

Quanto ao mútuo conversível e debentures conversíveis, normalmente utilizados para formalizar a relação entre os investidores e as startups, sendo o primeiro aplicável às sociedades limitadas e o segundo às sociedades anônimas, seja via captação por plataforma de crowdfunding, seja por uma captação direta com investidores, devem ser considerados aspectos importantes ao tratamento legal desses instrumentos.

O contrato de mútuo é contrato típico, previsto especificamente no artigo 586 do Código Civil que define o mútuo como sendo empréstimo de coisas fungíveis, sendo o mutuário obrigado a restituir o mutuante o que dele recebeu em coisa do mesmo gênero.

A modalidade intitulada mútuo conversível, prevê o pagamento do valor investido por meio de participação acionária, ou seja, a restituição ocorre subordinada ao implemento de certos termos e condições utilizando-se coisa diversa daquela mutuada. Apesar de alguns autores defenderem a possibilidade de haver uma descaracterização do contrato típico de mútuo, entendemos que no caso impera o princípio da autonomia da vontade, onde se estabelece, por meio da livre pretensão entre as partes, cláusula de mútuo e promessa de subscrição de participação acionária, condicionada ao cumprimento de certas condições prévias.

Além disso, pode-se verificar que em situações semelhantes como o Adiantamento para Futuro Aumento de Capital (AFAC) e nas renegociações entre devedores e credores em que o pagamento efetivo é feito mediante entrega de ativos mobiliários da própria sociedade, é constatada a eficácia plena desses instrumentos. Tais precedentes fortalecem a tese de crédito incontroverso do mútuo conversível e da obrigação de entrega da participação acionária da sociedade receptora do recurso financeiro, observadas as condições ali impostas.

Quanto às debentures conversíveis, estas são fundamentadas em lei, especificamente no artigo 52 da Lei 6.404 de 15 de dezembro de 1976 (“Lei das S.A.”), e classificadas como valores mobiliários pelo artigo 2º da Lei n.º 6.385/76, conferindo a seus titulares direito inequívoco de crédito contra a companhia, conversíveis em participação acionária, nas condições constantes da escritura de emissão.

Nesse sentido, com a evolução do mercado e importação de estruturas utilizadas em outros países constata-se uma adaptação dessas estruturas nos moldes brasileiros, bem como evolução dos mercados regulados, sendo possível apresentar estruturas jurídicas alternativas possíveis e eficazes, sempre se atentando para os limites impostos na lei.

Gustavo de Lima Palhares – Furriela Advogados

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